Além dos trintas, além da cultura.
O número trinta ganhou um significado profundamente repulsivo,
nesses últimos dias. E por mais repugnante que seja, foi real, aproximadamente, trinta e três homens violentaram
sexualmente uma menina de 16 anos, depois de ter sido dopada pelos mesmos.
Dentre as várias definições dessa violência, somente uma a faz de forma
categórica: ESTUPRO!
Muitas pessoas estão chocadas com a crueldade do acontecimento. E
não é para menos que estejamos assim. Lamentável é não estar todo mundo
perplexo. Por isso, o humanamente esperado é que se tente compreender o porquê
dessa barbárie. Mas, será que tem explicação? A resposta é: sim, claro
que tem! E o motivo é por hábito considerado como um não motivo, o que também
se explica. Inventam mil e umas justificativas, até mesmo de responsabilizar a
própria vítima pela violência sofrida. Mas, não há outra razão que não seja
esta: MACHISMO!
Se a intenção é entender "aquilo"( o estupro coletivo),
então, primeiro, precisamos não mascarar a realidade. Não foi por acaso,
33 homens cometeram um crime, sem a participação de nenhuma mulher. Isso mesmo,
HOMENS. Não foi a raça humana (esse ente genérico). Não foi a bebida. Não foi
uma roupa curta. Não foram monstros imaginários. Foram homens. E, nenhum deles
se solidarizou ao ponto de interromper a violência. Nenhum! Ao contrário,
riram, debocharam e compartilharam o estupro nas redes sociais. E adivinhem?
Encontraram plateia, defensores e justificadores (cúmplices). Porque sim,
qualquer tentativa de justificar essa violência culpabilizando a vítima,
significa ser cúmplice dos violentadores.
Na tentativa de ir além do sentimento de
choque diante da barbárie, é necessário localizar que a violência contra mulher,
inclusive o estupro, está situada dentro de uma definida estrutura social. Não
é coincidência ou um mero fenômeno natural, o fato de ser a família o espaço
onde mais se violentam mulheres.
Aquela afirmação não
é uma mera opinião da autora deste texto, são dados que chegam a índices
alcançados em guerras civis: no Brasil, de 2010 a 2013, 17.581 mulheres
morreram vítimas de violência doméstica. Há estudos que indicam que, a cada uma
hora e meia morre uma mulher, em
decorrência de agressões cometidas por familiares (principalmente os maridos e
namorados). Esses dados indicam que a violência contra a mulher é endêmica,
mas, sobretudo, sistêmica. Sem falar, nos outros números de violências
psicológicas, sexuais e patrimoniais. Por isso, qualquer banalização do tema
não ajuda e qualquer sensacionalismo, tão pouco.
A família tradicional
é base do patriarcalismo e do capitalismo. Ela é um pilar de sustentação da
atual sociedade que vivemos. Há profunda relação entre a dominação que a classe
burguesa exercer contra a classe trabalhadora, com a dominação que os homens
exercem contra as mulheres. É por isso que a opressão contra a mulher acompanha
o movimento das classes sociais em luta. Quanto maior é o ataque da classe
dominante contra a classe trabalhadora, maior é a força dos instrumentos de
dominação contra a mulher.
Isso quer dizer que
para haver uma cultura do estupro é preciso ter uma base concreta na sociedade
que permita ela existir, essa base é patriarcado. É bom lembrar que o estupro,
durante a Ditadura Burguesa Militar, foi uma política de estado no Brasil e na
América Latina. Nas guerras o estupro faz parte da lógica de ataques dos
soldados. Homens quando são presos, “transformam” outros homens presos em
“mulheres” e os estupram. Por tanto, o estupro não tem nada a ver com sexo ou
prazer. O estupro é um instrumento de poder, usado com o objetivo de submeter
uma pessoa à outra pessoa, na esmagadora maioria das vezes, é instrumento de
poder e violência usado pelos homens para submeter e agredir mulheres.
Aparentemente existe
uma sensação que atualmente há mais casos de violência contra mulher, mas isso
não é verdade, sempre existiu este tipo de violência, a diferença é que o seu
conhecimento saiu em parte da esfera privada para se tornar um debate público,
seja pelo advento da internet, seja pelos ainda tímidos avanços conquistados
através de políticas públicas e legislações direcionadas à efetivação dos
direitos das mulheres.
O machismo, com todas
as suas faces, é a expressão máxima da sociedade patriarcal, a cultura do
estupro é mais um mecanismo desta estrutura social, altamente injusta. Não é
por acaso que a agenda neoliberal de desmonte aos direitos trabalhistas,
imposta pelo Governo Golpista Temer, veio acompanhada de uma agenda
conservadora que ataca os direitos das mulheres. A exemplo da possibilidade de
proibir o aborto em caso de estupro. Imagina a vítima do estupro coletivo ser
obrigada a manter uma gravidez? Imagina!
Não é por acaso que o
Golpe que atingiu a primeira mulher eleita presidenta, foi marcado por falas
como a do crápula fascista, Jair Bolsonaro, que homenageou o estuprador e
torturador de Dilma, o ditador Brilhante Ustra. Não há coincidência que com o
aumento da crise capitalista a ameaça aos direitos das mulheres se tornou mais
latente, inclusive o direito a vida, a dignidade da pessoa humana. Somente, outro
projeto de sociedade que busque a libertação plena de todos os seres humanos,
que combata todo e qualquer tipo de exploração será capaz de por fim em
instrumentos de dominação como o estupro. Este deve ser combatido na sua
manifestação cultural, mas, sobretudo, deve ser combatido na sua estrutura de
sustentação, o patriarcado. O caminho da liberdade, da dignidade humana, da
igualdade plena entre pessoas diferentes, não é se não o caminho para uma
sociedade: FEMINISTA E SOCIALISTA!
Ariely de Castro
Assistente Social, militante do PT/AE e
feminista.

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